quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

O que é pós-modernidade? Um diálogo com Agnes Heller e Ferenc Fehér

Francisco Antonio da Silva[1]

Um dos temas principais que ronda a arena das Ciências Sociais e Humanas é a questão da pós-modernidade. Teóricos da Sociologia, Antropologia, Ciência Política, Filosofia e História limitam seus esforços intelectuais a redefinirem o campo de atuação de suas respectivas áreas. Argumentam que as sociedades ocidentais não podem mais ser compreendidas a partir dos “velhos” referenciais teórico-metodológicos herdados do século XX. Argumentam também que a modernidade já não mais existe (daí insistirem na pós-modernidade enquanto discurso e ao mesmo tempo processo).
A pós-modernidade é um projeto político defendido com unhas e dentes (e também por garras muito afiadas) por muitos intelectuais dentro da Universidade e por profissionais em diversos campos de atuação, que se encarregam de fazer a propaganda desse novo discurso que se pretende hegemônico e, embora, fazendo uma cruzada contra a “grande narrativa” ou “narrativas totalizantes” pretende substituí-las, principalmente o marxismo.
Mas afinal o que é a pós-modernidade? Vamos responder a esta pergunta com a ajuda de dois teóricos que defendem este projeto: Agnes Heller e Ferenc Fehér. No livro A Condição Política Pós-Moderna[2] os autores explicitam os fundamentos e os pressupostos do projeto político e ideológico chamado de pós-modernidade. Para eles a pós-modernidade é caracterizada pela consciência generalizada da pos-historie ou o fim da história, cujo sentimento geral é o de “estar além”. Daí os diversos “pós” que recheiam a retórica dos pós-modernos; por isso vivemos em sociedades pós-industriais, nas quais o trabalho perdeu a centralidade e o conflito de classes não é mais importante para se compreender a dinâmica e o ordenamento da vida moderna.
Uma característica comum a esta corrente é a resignação. Para começar, embora seja forte o sentimento de “estar além”, a única a realidade a qual se apega é o presente, ou seja, as sociedades ocidentais contemporâneas. No entanto, para os pós-modernos a questão social jamais será resolvida, uma questão que norteou as ciências sociais e humanas em grande parte do século XIX até os anos setenta do século seguinte. A ciência social moderna sempre teve uma intenção prática importante, fosse ela explícita ou não. Para alguns cientistas sociais como Durkheim, por exemplo, a ciência social deveria contribuir para a compreensão dos problemas ou anomalias das sociedades capitalistas ocidentais e, a partir de uma intervenção racional ou planejada, ela seria responsável pela volta à normalidade do sistema. Outros como Karl Marx e F. Engels tentaram uma análise mais profunda das sociedades capitalistas, elaborando os fundamentos para a superação das mesmas. Estas duas posturas científicas demonstram claramente a natureza da ciência moderna, que sempre oscilou entre a reforma e a revolução. Ambas compreendiam a necessidade da ciência em resolver os problemas sociais ou pelo menos produzir um discurso capaz de orientar a elaboração de políticas universalistas que os enfrentassem numa perspectiva ampla.
Para Agnes Heller e Ferenc Fehér, como a questão social jamais será resolvida, não há necessidade de uma ciência que pretenda elaborar um “discurso totalizante”, pois as “grandes narrativas” denunciam as intenções de “políticas redentoras”, que defendem a inevitabilidade da dominação (seja de uma classe sobre outra ou do Estado sobre a sociedade). Negando-se a enfrentarem o problema da questão social como um dos temas das ciências sociais e humanas renegam a ciência moderna como fonte de intervenção humana na realidade. Ela restringe-se a uma dimensão limitada da vida, servindo ao entretenimento ou, no máximo, a vasculhar migalhas da realidade contemporânea.
A resignação é a condição básica para se viver em um tempo no qual o presente é contínuo. Assim, não é necessário cultivar a memória histórica[3] e nem a imaginação sociológica[4], já que não é mais necessário para compreendermos o mundo no qual vivemos ter uma visão totalizante da realidade. O que importa para os pós-modernos é o indivíduo estar satisfeito com sua vida, portanto, o que importa é a biografia e a história de vida[5]. Assim, as sociedades contemporâneas se tornarão satisfeitas quando os indivíduos se engajarem, tentando transformar a realidade da vida cotidiana a partir de seu ciclo de amizades, familiares, etc. A categoria insatisfação se assemelha à noção de fato social total maussiana[6]. No entanto, como os autores descartam qualquer perspectiva mais abrangente, desprezam o aprofundamento da análise desta questão, preferindo refletir a respeito da questão: como estar satisfeito numa sociedade insatisfeita?
As respostas a esta questão representam a máxima do esforço intelectual dos teóricos e discípulos da pós-modernidade. Compreendem as sociedades ocidentais contemporâneas como sendo “sociedades sem força”, portanto, sem dominação e hierarquia. Como não há dominação e hierarquia, ou seja, não há um “centro” organizador, os sujeitos individuais e coletivos têm a possibilidade de buscarem a satisfação sem se preocuparem com a transformação da sociedade. Buscando a satisfação pessoal, ou seja, buscando suprir suas necessidades e carências, os indivíduos têm a possibilidade de transformarem a contingência em destino. Transformam assim as limitações sociais e naturais (contingência) em realizações e autodeterminação (riqueza, fama, poder e reconhecimento, por um lado, e ampliação da democracia, por outro).
Enfim, o projeto político e ideológico conhecido como pós-modernidade não ultrapassa os limites da modernidade. Antes procuram nichos ou guetos da modernidade para neles se refugiarem, fugindo aos problemas das sociedades contemporâneas ocidentais, tentando criar sentimentos de satisfação em meio ao caos gerados pelas sociedades de mercado e de democracia liberal.
[1] Professor do Curso de História da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (FAFIDAM), da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
[2] HELLER, Agnes & FEHÉR, Ferenc. A Condição Política Pós-Moderna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
[3] Para Eric Hobsbawm uma das constatações mais importantes que o historiador pode observar a respeito do século XX é a perca da memória histórica, fazendo com que tenhamos a impressão de que vivemos num eterno presente. Assim, a relação passado, presente e futuro, torna-se fluída e sem sentido, pois o sujeito imergido no presente constante perde a noção da temporalidade e isso faz com que também se perca a capacidade de compreender a realidade da vida cotidiana de forma mais profunda (ver HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995).
[4] Para White Mills a imaginação sociológica é uma operação que possibilita ao sujeito uma compreensão mais profunda das sociedades contemporâneas. O conhecimento do mundo a partir dos instrumentais oferecidos pelo senso comum nos fornece uma visão limitada do mundo, pois a referência utilizada é o contato direto que os indivíduos têm com a realidade a partir das relações familiares, vizinhança, trabalho, escola, etc. Assim, a característica deste conhecimento é a biografia. Conhecemos apenas aquilo que o meio permite conhecer e a nossa história individual é capaz de nos oferecer enquanto referencial. Para que possamos compreender melhor o mundo é necessário situarmos nossa história individual no contexto da história contemporânea, pois só assim poderemos compreender de forma mais profunda nossas vidas e o mundo que nos envolve (ver MILLS, White. A Imaginação Sociológica. )
[5] Para Agnes Heller e Ferenc Fehér a insatisfação é um dos eixos dinâmicos das sociedades contemporâneas ocidentais, fazendo com que elas progridam e se desenvolvam, pois a insatisfação faz com que os indivíduos estejam sempre tentando suprir suas carências e necessidades, lutando por melhores condições de vida ou por fama, reconhecimento, poder e riqueza.
[6] Marcel Mauss ampliando os estudos do tio, Emile Durkheim, desenvolve o conceito de fato social total para explicar aquelas realidades centrais da vida de um grupo social. No caso, Mauss elege a dádiva (o processo que envolve os atos de dar, receber e retribuir) como sendo a ação social elementar das sociedades simples ou tribais (CAILLÉ, Alain. Nem holismo nem individualismo metodológicos: Marcel Mauss e o paradigma da dádiva. In Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 13, nº 38, out./98). Para uma análise mais completa da questão (ver GODBOUT, Jacques T. & CAILLÉ, Allain. O Espírito da Dádiva. Traduzido por Patrice Charles F. X. Wuillaume. - Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1999).

Dominação e Hierarquia Estão Superadas nas Sociedades Capitalistas Ocidentais?

Francisco Antonio da Silva[1]

Segundo Agnes Heller e Ferenc Fehér as sociedades capitalistas ocidentais são “sociedades sem força”, nas quais dominação e hierarquia foram superadas[2]. Este é o argumento que os autores utilizam para definirem as sociedades contemporâneas ocidentais e ao mesmo tempo delimitarem o campo de atuação dos teóricos da pós-modernidade. Para eles o que levou os cientistas sociais a definirem tais sociedades enquanto totalidade foi a existência da dominação e da hierarquia e como estas não mais existem, tampouco há necessidade de abordagens e teorias totalizantes para a compreensão das mesmas.
Partidários de uma microfísica do poder[3] celebram a morte do Estado moderno, que era um centro (ou o principal) organizador, fazendo com que todos os campos sociais (político, econômico, cultural, educacional, etc.) oscilassem em torno de si, fazendo com que diversos modelos teóricos tomassem esse centro como alvo de suas análises, na tentativa de reformá-lo ou aboli-lo.
Para os pós-modernos este centro organizador da vida moderna não existe mais, portanto, não há igualmente necessidade de elaboração de grandes narrativas para explicar a vida contemporânea. Compreendem o estado e as sociedades contemporâneas na perspectiva do neoliberalismo[4], que entende que o Estado não tem mais o papel de organizar, mas sim regular as atividades dos sujeitos individuais e coletivos. Desta forma, o Leviatã hobesiano deixa de existir, delegando suas funções à sociedade civil, que no livre jogo do mercado elege as opções mais adequadas à satisfação das necessidades e carências.
Nesta abordagem não há dominação e hierarquia porque a sociedade civil finalmente conseguiu encarnar o espírito do mundo hegeliano e agora pode transformar as contingências em destino, ou seja, a humanidade conseguiu alcançar os meios para a autodeterminação e, portanto, ser livre. Desta forma, uma conseqüência lógica deste discurso é a decretação do “fim da história”. O indivíduo tipo ideal desta nova realidade é o “consumidor”, o cidadão por excelência do pos-historie.
As lutas emancipatórias dos séculos XIX e XX não têm mais espaços nas sociedades pós-modernas porque não há mais contra quem lutar, nem tampouco há um centro organizador para reformar ou destruir. As lutas e reivindicações devem voltar para questões pontuais e limitadas. Não é mais preciso mobilizar todos os setores da sociedade, pois cada sujeito (individual ou coletivo) agindo em esferas particulares poderá transformar a sociedade. Este é cenário construído pelas correntes que se denominam pós-modernas, apregoando um sentimento de resignação coletiva que leva a aceitação do estado de coisas postas na atualidade.
[1] Professor do Curso de História da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (FAFIDAM), da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
[2] HELLER, Agnes & FEHÉR, Ferenc. A Condição Política Pós-Moderna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
[3] Ver a respeito FOUCAULT, Michel. A Microfísica do Poder. Rio de Janeiro, Graal, 1988.

[4] Para os defensores do neoliberalismo o Estado deve ser mínimo, ou seja, não pode ser intervencionista. A lógica do mercado e do capital financeiro deve sobrepor-se aos interesses sociais e às políticas públicas que visem o desenvolvimento social. A sociedade civil deve assumir funções que antes cabiam ao poder público e, desta forma, o Estado passa de “organizador” a “regulador”. Por isso, os pós-modernos afirmam que não existem mais dominação e hierarquia nas sociedades contemporâneas ocidentais.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

TEXTOS DE HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA

Os textos da Disciplina de Historiografia Brasileira do semestre 2008.2, que se encontram disponíveis na internet são os seguintes:

Texto IV: Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional, de Manoel Luis Lima Salgado Guimarães, disponível em http://www.cpdoc.fgv.br/revista/asp/dsp_edicao.asp?cd_edi=5

Texto V: Em nome do pai, mas não do patriarca: ensaio sobre os limites da imparcialidade na obra de Varnhagen, de Temístocles César, disponível no site http://www.scielo.br/pdf/his/v24n2/a09v24n2.pdf

Texto VIII: Historiografia e História Cultural: representações de Capistrano de Abreu na historiografia brasileira – por Ítala Byanca Morais da Silva. Disponível no site http://www.historiaemreflexao.ufgd.edu.br/A8/HISTORIOGRAFIA%20E%20HISTORIA%20CULTURAL.pdf?PHPSESSID=04b51e32f48f1daec2247d12af303961

Texto IX: Nota Historiográfica sobre aSociedade Colonial, de Rodrigo Elias Caetano Gomes. Disponível no site http://www.klepsidra.net/klepsidra17/colonial.htm

Texto XII: José Honório Rodrigues: os clássicos e uma possível identidade historiográfica brasileira (décadas de 1940-80), de André de Lemos Freixo. Disponível no site www.encontro2008.rj.anpuh.org/.../1212971758_ARQUIVO_JoseHonorioRodrigues

Texto XIII: Retomando a questão do início da historiografia econômica no Brasil, Tamás Szmrecsányi. In nova Economia_Belo Horizonte_14 (1)_11-37_janeiro-abril de 2004. pp. 11-37. Disponível no site http://www.face.ufmg.br/novaeconomia/sumarios/v14n1/Szmrecsanyi.pdf

Texto XIV: Economia e Política na Historiografia Brasileira, de Sônia Regina de Mendonça. Disponível no site http://www.historia.uff.br/estadoepoder/files/art01_mendonca_economiaepolitica.pdf

Texto XVII: Os Estudos Regionais na historiografia Brasileira, de Marcos Lobato Martins, disponível no site www.minasdehistoria.blog.br/wp-content/arquivos//2008/03/historia-e-estudos-regionais.pdf

Texto XVIII: A PRODUÇÃO HISTORIOGRÁFICA BRASILEIRA SOBRE O MOVIMENTO OPERÁRIO FORA DO EIXO RIO- SÃO PAULO, de Sílvia Regina Ferraz Petersen. Disponível no site sindicalismo.pessoal.bridge.com.br/SilviaPetersen2005.rtf

Atenciosamente
Francisco Antonio da Silva,
Prof. da Disciplina Histotiografia Brasileira

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Historiografia Brasileira

O texto para a próxima aula (15/01/2009) "O Brasil nos relatos de viajantes ingleses do século XVIII: produção de discursos sobre o Novo Mundo" encontra-se disponível no site http://www.scielo.br/pdf/rbh/v28n55/a07v28n55.pdf.

Atenciosamente
Francisco Antonio da Silva